sábado, 12 de fevereiro de 2011

sociedade dos poetas mortos-vivos



                              Meu herói não vive
                       pegando ou
                      apagando fogo 
                            por aí
                             meu herói vai pra lugar nenhum
                   e de nenhum lugar ele vem
                             meu herói 
              vive a vagar 
                         e escrever
                          muros de poesia
                  lá estava
ele
                      quando mais precisavam
               e lhe questionavam
       --  que tipo de herói 
               você pensa ser
     por perder o seu tempo
 a cantar para estrelas?
         não sabes, herói?
 estrelas não costumam amar
 poetas vivos --
.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

(e)terno transe

vivo assim
presa em minha ignota ternura
 pelas coisas discretas
 escondidas no chão
 sem saber como
 ou onde expor
para quem dispor
 uma porção ao menos suficiente
 do que me faz olhar assim ternamente
 ao redor desse meu mundo picotado
 desse mosaico das coisas belas
que encontrei ao viver a vida assim
 vagorosamente a me perder
 num arrumar de malas sempre abarrotadas
 dos caminhos percorridos
 e no fundo, espremidos entre as páginas rabiscadas
e as memórias mofadas
em meio às roupas que não me cabem mais
sob o monte de ternura e passado,
 é que ficam guardados
os sublimes amores
catados entre as coisas discretas
escondidas no chão

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

a inspiração da "tal busca"

Veleiro largado na correnteza
   despenca do desfiladeiro
          à beira do fim
Corro contra minha incerteza
   perseguindo a essência
   do que me fez ser assim
Se só há dúvidas e nenhuma clareza
   o mundo em mim se perdeu
        de tudo me perdi
Procuro nisso alguma beleza:
     O labirinto sou eu
   O labirinto está em mim

A tal busca de Minoédipo

No labirinto impregnado em mim
Onde me esconde a esfinge?
Porque é de lá que quero surgir
Deixar de fugir e de ser a que finge
Pois sei que sou fingidora
Imito assim, descaradamente
E minto, suposta descobridora
Do que não é o que sinto, mas que em mim é latente

E o que desvendo é logo neblina
Segredo a me cercar, contudo, intocável
Intrínseco medo que sufoca e angustia
De nunca me achar e me achar confortável

Eis que o labirinto ao me redor se ergue
Enquanto busco a esfinge no breu
Pra lhe implorar que me devore, me afogue, me cegue
Pra que eu nunca descubra que o labirinto sou eu

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Eis-me:
Um velho
Cansado de estar
cansado de ficar
Quanto tempo leva
até eu parar de pensar?
Se o mundo fosse o oceano
eu adoraria afundar...
e deitar no fundo
sentindo a água
passar pelo meu nariz
entrar no meu cérebro
Quanto tempo leva
até que meu coração se torne um grãozinho de areia?
Palavra, mundo: desisto do combate
Cansei, nada posso aguentar
Então espero, não é tarde
Já posso ver o fim de todas as luzes
Já posso ouvir o último som ecoando
por toda essa ruína
E não vai importar o que estarei fazendo
Com um pequeno ruído
Farei minha voz dizer:
- Um velho?
  Eis-me aqui.
"Quando penso no que já vivi, me parece que fui deixando meus corpos pelo caminho" -
 Clarice L.

De tanto fugir para se encontrar,
dentre a multidão residente em seu ser,
foi perdendo as almas, os corpos a lhe rechear,
depois se encontrou quando não mais pôde correr.
Chegou ao fim da estrada sozinha, mas era
só ela, só o que ela podia ser.
Olhou para trás e viu todos seus corpos
deixados pelo caminho,
Como já tivesse se achado, então,
respirou forte e criou seu destino

                        *

2 poemas flutuantes

Loucos de nós
que almejamos o infinito
sem saber que o mais bonito
é o que nunca existirá
E que o que sempre desejamos
mais que viver cem anos
é tão raro e elementar
O que você, caro Sherlock
não vê e nunca verá
Palpável e claro como a bruma
não se encontra em terra nenhuma:
Está em nós
nos basta amar


* * *


Nascido ruína
tal amor inacabado
de sua boca só o ruído
da saga, o fim anunciado
E nem por não ter sido divina
a triste trilha enluarada
nem benzida a tivesse querido
se já a soubesse amaldiçoada
Por eras os fósseis ficarão
esqueletos e escombros esquecidos
junto ao eco, único som
dos que se sabem para sempre apodrecidos

perdidos amores
arruinados, infinitos